Mais de 119
organizações da sociedade civil de 40 países rejeitam o impacto de um
crescimento exponencial da bioeconomia
Nos últimos anos, os governos atribuíram incentivos à
substituição dos combustíveis fósseis por biomassa na produção de energia, com
o objetivo de combater as alterações climáticas. De forma crescente, os
governos estão também a considerar o incentivo a outros produtos elaborados a
partir de biomateriais, designados de uma forma genérica de
"bioeconomia".
A Plataforma
para o Biofuturo, uma iniciativa proposta pelo governo brasileiro e lançada com
o apoio de 20 países em 2016, é um exemplo. Contudo, um olhar mais atento sobre
esta Plataforma mostra que a bioeconomia é uma forma simples de esconder um
aumento significativo no uso de bioenergia, bem como outros
"bioprodutos" de curta duração cujos impactos climáticos são tão
prejudiciais para o clima quanto a bioenergia. [1]
A União
Europeia e outros países (que até agora não assinaram a Plataforma para o
Biofuturo) estão também a desenvolver estratégias de promoção da bioeconomia
com o mesmo propósito. [2]
As organizações abaixo subscritoras estão preocupadas com o aumento no uso de
bioenergia e outros bioprodutos de ciclo de vida curto (a chamada bioeconomia),
que terá impactos negativos sobre o clima, os direitos humanos, a proteção da
natureza e a transição para uma economia de baixo carbono.
As
organizações subscritoras rejeitam a Plataforma para o Biofuturo e outras
formass similares de promoção de bioenergia pelas razões abaixo descritas:
Prejudicial para o clima
Para cumprir
o objetivo do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global abaixo
de 1,5ºC, a comunidade internacional deve estar focada na eliminação
progressiva das emissões de gases com efeito de estufa e, simultaneamente, no
aumento da quantidade de carbono que pode ser removida pelas florestas, prados
e solos. Em oposição direta a isso, a Plataforma para o Biofuturo defende a
transição dos setores da produção de energia, transporte e indústria para o uso
de bioenergia e biomateriais. Isto ignora o estado atual da ciência – a queima
de biomassa para a produção de energia emite mais emissões para a atmosfera do
que a queima de carvão [3], ao passo que a produção e o consumo de biocombustíveis,
bioplásticos ou outros biomateriais reduzem a quantidade de terrenos
disponíveis para as culturas alimentares, conduzindo à desflorestação e outras
conversões de usos da terra, o que contribui para as emissões de outros gases
com efeito de estufa, como o óxido nitroso.
Para mitigar os efeitos mais prejudiciais das alterações climáticas, é
necessário que os governos, as organizações da sociedade civil, as
universidades e o setor privado trabalhem em conjunto para reduzir o consumo
excessivo de energia e descarbonizar os setores de produção de energia,
transporte e indústria - não permitindo apenas que aqueles que possuem mais
recursos disponíveis prossigam em níveis de consumo excessivo, enquanto assumem
o compromisso de fazer a transição para outros recursos que implicam emissões
significativas de carbono.
Prejudicial
para os direitos humanos
Uma
bioeconomia de escala industrial aumentaria a procura por terrenos disponíveis
para a produção de biomassa. Isso levaria à desflorestação e outras alterações
no uso do solo em grande escala, o que teria impactos devastadores sobre as
comunidades locais. Um estudo conservador sobre o potencial global de biomassa
[4] evidencia que seria necessária a conversão de terrenos numa área superior à
do território da Índia (386 milhões de hectares) para garantir o fornecimento
de bioenergia em cinco por cento do uso global de energia. O uso de recursos
associados com a bioeconomia previsto pela Plataforma para o Biofuturo exigiria
terrenos adicionais para serem convertidos em bioprodutos. A hipótese
subjacente é que a maior parte dos terrenos necessários para converter a
economia baseada em combustível fóssil para a bioeconomia seria fornecida pelo
Sul global. Mas a crescente procura por biocombustíveis e biomassa para
aquecimento e produção de eletricidade já conduziu à apropriação de terrenos em
grande escala e à expulsão de comunidades inteiras, além de reduzir o acesso a
terrenos agrícolas, florestas e recursos hídricos [5]. O aumento da procura
agravará estes impactos, sobretudo quando as florestas forem substituídas por
plantações, aumentando o envenenamento por pesticidas e a violação dos direitos
dos trabalhadores, e reduzindo a disponibilidade de água potável e a soberania
alimentar. Além disso, o processamento e a queima de biomassa para a produção
de energia são responsáveis pela emissão de poluentes tóxicos, com riscos
acrescidos para a saúde humana.
Prejudicial para a natureza e a biodiversidade
Estamos no
meio de uma crise de biodiversidade que será agravada pelas propostas da
Plataforma para o Biofuturo que pretendem aumentar a procura por terrenos, água
e florestas. A procura por óleo de palma e soja já está a acelerar a destruição
de florestas em muitos países e a intensificação da agricultura (mais produtos
químicos, menos terras em pousio) na Europa e na América do Norte, acelerando o
declínio das populações de insetos e aves. [6] A procura por bioenergia já
levou à destruição de florestas de elevada biodiversidade no sul dos Estados
Unidos da América [7], nos Estados Bálticos [8] e em outros locais. À medida
que as monoculturas avançam, a agrobiodiversidade é reduzida. As plantações
para produzir bioplásticos e outros biomateriais só agravam estes problemas. É
necessário reduzir a procura por madeira e culturas alimentares. Existe ainda
um pressuposto de que a produção de bioprodutos dependerá fortemente do uso de
culturas, árvores e micróbios geneticamente modificados, os quais representam
sérios riscos para o ambiente e a saúde humana.
Prejudicial para uma transição justa a partir de uma economia baseada em
combustíveis fósseis
A visão da
Plataforma para o Biofuturo desvia a atenção e os recursos de soluções reais e
comprovadas para mitigar as alterações climáticas e consolida as injustiças
energéticas, sociais e económicas em todo o mundo. Esta plataforma encoraja
subsídios adicionais para o uso de bioenergia em detrimento de outras energias
renováveis de comprovadas emissões de baixo carbono, como a energia eólica e
solar, as quais devem aumentar de escala com efeito imediato. A “bioenergia
moderna” (biocombustíveis e biomassa destinada para aquecimento e produção de
eletricidade) promovida pela Plataforma para o Biofuturo é utilizada
principalmente pelo Norte global e por indústrias consumidoras de energia que
deveriam estar focadas na melhoria da sua eficiência. O recurso a fontes de
bioenergia é um mecanismo de escape para estas empresas, que não querem assumir
a realidade dos seus consumos energéticos excessivos.