quarta-feira, 28 de março de 2018

DECLARAÇÃO FINAL DO FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DAS ÁGUAS

Nós, construtores e construtoras do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), reunidos de 17 a 22 de março de 2018, em Brasília, declaramos para toda a sociedade o que acumulamos após muitos debates, intercâmbios, sessões culturais e depoimentos ao longo de vários meses de preparação e nestes últimos dias aqui reunidos. Somos mais de 7 mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, das águas e das florestas, representantes de povos originários e comunidades tradicionais, articulados em 450 organizações nacionais e internacionais de todos os continentes. Somos movimentos populares, tradições religiosas e espiritualidades, organizações não governamentais, universidades, pesquisadores, ambientalistas, organizados em grupos, coletivos, redes, frentes, comitês, fóruns, institutos, articulações, sindicatos e conselhos.
Na grandeza dos povos, trocamos experiências de conhecimento, resistência e de luta. E estamos conscientes que a nossa produção é para garantir a vida e sua diversidade. Estamos aqui criando unidade e força popular para refletir e lutar juntos e juntas pela água e pela vida nas suas variadas dimensões. O que nos faz comum na relação com a natureza é garantir a vida. A nossa luta é a garantia da vida. É isso que nos diferencia dos projetos e das relações do capital expressos no Fórum das Corporações – Fórum Mundial da Água.
Também estamos aqui para denunciar a 8º edição do Fórum Mundial da Água (FMA), o Fórum das Corporações, evento organizado pelo chamado Conselho Mundial da Água, como um espaço de captura e roubo das nossas águas. O Fórum e o Conselho são vinculados às grandes corporações transnacionais e buscam atender exclusivamente a seus interesses, em detrimento dos povos e da natureza.
Nossas constatações sobre o momento histórico
O modo de produção capitalista, historicamente, concentra e centraliza riqueza e poder, a partir da ampliação de suas formas de acumulação, intensificação de seus mecanismos de exploração do trabalho e aprofundamento de seu domínio sobre a natureza, gerando a destruição dos modos de vida. Vivemos em um período de crise do capitalismo e de seu modelo político representado pela ideologia neoliberal, na qual se busca intensificar a transformação dos bens comuns em mercadoria, através de processos de privatização, precificação e financerização.
A persistência desse modelo tem aprofundado as desigualdades e a destruição da natureza, através dos planos de salvamento do capital nos momentos de aprofundamento da crise. Nesse cenário, as ações do capital são orientadas pela manutenção a qualquer custo das suas taxas de juros, lucro e renda.
Esse modelo impõe à América Latina e ao Caribe o papel de produtores de artigos primários e fornecedores de matéria prima, atividades econômicas intensivas em bens naturais e força de trabalho. Subordina a economia desses países a um papel dependente na economia mundial, sendo alvos prioritários dessa estratégia de ampliação da exploração a qualquer custo.
O Brasil, que sedia esta edição do FAMA, é exemplar nesse sentido. O golpe aplicado recentemente expõe a ação coordenada de corporações com setores do parlamento, da mídia e do judiciário para romper a ordem democrática e submeter o governo nacional a uma agenda que atenda seus interesses rapidamente. A mais dura medida orçamentária do mundo foi implantada em nosso país, onde o orçamento público está congelado por 20 anos, garantindo a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro e criando as bases para uma onda privatizante, incluindo aí a infraestrutura de armazenamento, distribuição e saneamento da água.
Quais são as estratégias das corporações para a água?
Identificamos que o objetivo das corporações é exercer o controle privado da água através da privatização, mercantilização e de sua titularização, tornando-a fonte de acumulação em escala mundial, gerando lucros para as transnacionais e ao sistema financeiro. Para isso, estão em curso diversas estratégias que vão desde o uso da violência direta até formas de captura corporativa de governos, parlamentos, judiciários, agências reguladoras e demais estruturas jurídico-institucionais para atuação em favor dos interesses do capital. Há também uma ofensiva ideológica articulada junto aos meios de comunicação, educação e propaganda que buscam criar hegemonia na sociedade contrária aos bens comuns e a favor de sua transformação em mercadoria.
O resultado desejado pelas corporações é a invasão, apropriação e o controle político e econômico dos territórios, das nascentes, rios e reservatórios, para atender os interesses do agronegócio, hidronegócio, indústria extrativa, mineração, especulação imobiliária e geração de energia hidroelétrica. O mercado de bebida e outros setores querem o controle dos aquíferos. As corporações querem também o controle de toda a indústria de abastecimento de água e esgotamento sanitário para impor seu modelo de mercado e gerar lucros ao sistema financeiro, transformando direito historicamente conquistado pelo povo em mercadoria. Querem ainda se apropriar de todos os mananciais do Brasil, América Latina e dos demais continentes para gerar valor e transferir riquezas de nossos territórios ao sistema financeiro, viabilizando o mercado mundial da água
Denunciamos as transnacionais Nestlé, Coca-Cola, Ambev, Suez, Veolia, Brookfield (BRK Ambiental), Dow AgroSciences, Monsanto, Bayer, Yara, os organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e ONGs ambientalistas de mercado, como The Nature Conservancy e Conservation International, entre outras que expressam o caráter do “Fórum das Corporações”. Denunciamos o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP Billiton, que contaminou com sua lama tóxica o Rio Doce, assassinando uma bacia hidrográfica inteira, matando inúmeras pessoas, e até hoje seu crime segue impune. Denunciamos o recente crime praticado pela norueguesa Hydro Alunorte que despejou milhares de toneladas de resíduos da mineração através de canais clandestinos no coração da Amazônia e o assassinato do líder comunitário Sergio Almeida Nascimento que denunciava seus crimes. Exemplos como esses têm se reproduzido por todo o mundo.
Os povos têm sido as vítimas desse avanço do projeto das corporações. As mulheres, povos originários, povos e comunidades tradicionais, populações negras, migrantes e refugiados, agricultores familiares e camponeses e as comunidades periféricas urbanas têm sofrido diretamente os ataques do capital e as consequências sociais, ambientais e culturais de sua ação.
Nos territórios e locais onde houve e/ou existem planos de privatização, aprofundam-se as desigualdades, o racismo, a violência sexual e sobrecarga de trabalho para as mulheres, a criminalização, assassinatos, ameaças e perseguição a lideranças, demissões em massa, precarização do trabalho, retirada e violação de direitos, redução salarial, aumento da exploração, brutal restrição do acesso à água e serviços públicos, redução na qualidade dos serviços prestados à população, ausência de controle social, aumentos abusivos nas tarifas, corrupção, desmatamento, contaminação e envenenamento das águas, destruição das nascentes e rios e ataques violentos aos povos e seus territórios, em especial às populações que resistem às regras impostas pelo capital.
A dinâmica de acumulação capitalista se entrelaça com o sistema hetero-patriarcal, racista e colonial, controlando o trabalho das mulheres e ocultando intencionalmente seu papel nas esferas de reprodução e produção. Nesse momento de ofensiva conservadora, há o aprofundamento da divisão sexual do trabalho e do racismo, causando o aumento da pobreza e da precarização da vida das mulheres.
A violência contra as mulheres é uma ferramenta de controle sobre nossos corpos, nosso trabalho e nossa autonomia. Essa violência se intensifica com o avanço do capital, refletindo-se no aumento de assassinato de mulheres, da prostituição e da violência sexual. Tudo isso impossibilita as mulheres de viver com dignidade e prazer.
Para as diversas religiões e espiritualidades, todas essas injustiças em relação às águas e seus territórios, caracterizam uma dessacralização da água recebida como um dom vital, e dificultam as relações com o Transcendente como horizonte maior das nossas existências.
Destacamos que para os Povos Originários e Comunidades Tradicionais há uma relação interdependente com as águas, e tudo que as atinge, e que todos os ataques criminosos que sofre, repercutem diretamente na existência desses povos em seus corpos e mentes. Esses povos se afirmam como água, pois existe uma profunda unidade entre eles e os rios, os lagos, lagoas, nascentes, mananciais, aquíferos, poços, veredas, lençóis freáticos, igarapés, estuários, mares e oceanos como entidade única. Declaramos que as águas são seres sagrados. Todas as águas são uma só água em permanente movimento e transformação. A água é entidade viva, e merece ser respeitada.
Por fim, constatamos que a entrega de nossas riquezas e bens comuns conduz a destruição da soberania e a autodeterminação dos povos, assim como a perda dos seus territórios e modos de vida.
Mas nós afirmamos: resistimos e venceremos!
Nossa resistência e luta é legítima. Somos os guardiões e guardiãs das águas e defensores da vida. Somos um povo que resiste e nossa luta vencerá todas as estruturas que dominam, oprimem e exploram nossos povos, corpos e territórios. Somos como água, alegres, transparentes e em movimento. Somos povos da água e a água dos povos.
Nestes dias de convívio coletivo, identificamos uma extraordinária diversidade de práticas sociais, com enorme riqueza de culturas, conhecimento e formas de resistência e de luta pela vida. Ninguém se renderá. Os povos das águas, das florestas e do campo resistem e não se renderão ao capital. Assim também tem sido a luta dos povos, dos operários e de todos os trabalhadores e trabalhadoras das cidades que demonstram cada vez maior força. Temos a convicção que só a luta conjunta dos povos poderá derrotar todas as estruturas injustas desta sociedade.
Identificamos que a resistência e a luta têm se realizado em todos os locais e territórios do Brasil e do mundo e estamos convencidos que nossa força deve caminhar e unir-se a grandes lutas nacionais e internacionais. A luta dos povos em defesa das águas é mundial.
Água é vida, é saúde, é alimento, é território, é direito humano, é um bem comum sagrado.
O que propomos
Reafirmamos que as diversas lutas em defesas das águas dizem em alto e bom som que água não é e nem pode ser mercadoria. Não é recurso a ser apropriado, explorado e destruído para bom rendimento dos negócios. Água é um bem comum e deve ser preservada e gerida pelos povos para as necessidades da vida, garantindo sua reprodução e perpetuação. Por isso, nosso projeto para as águas tem na democracia um pilar fundamental. É só por meio de processos verdadeiramente democráticos, que superem a manipulação da mídia e do dinheiro, que os povos podem construir o poder popular, o controle social e o cuidado sobre as águas, afirmando seus saberes, tradições e culturas em oposição ao projeto autoritário, egoísta e destrutivo do capital.
Somos radicalmente contrários às diversas estratégias presentes e futuras de apropriação privada sobre a água, e defendemos o caráter público, comunitário e popular dos sistemas urbanos de gestão e cuidado da água e do saneamento. Por isso saudamos e estimulamos os processos de reestatização de companhias de água e esgoto e outras formas de gestão. Seguiremos denunciando as tentativas de privatização e abertura de Capital, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde 18 estados manifestaram interesse na privatização de suas companhias.
Defendemos o trabalho decente, assentado em relações de trabalho democráticas, protegidas e livre de toda forma de precarização. Também é fundamental a garantia do acesso democrático e sustentável à água junto à implementação da reforma agrária e defesa dos territórios, com garantia de produção de alimentos em bases agroecológicas, respeitando as práticas tradicionais e buscando atender a soberania alimentar dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos e do campo, florestas e águas.
Estamos comprometidos com a superação do patriarcado e da divisão sexual do trabalho, pelo reconhecimento de que o trabalho doméstico e de cuidados está na base da sustentabilidade da vida. O combate ao racismo também nos une na luta pelo reconhecimento, titulação e demarcação dos territórios dos povos originários e comunidades tradicionais e na reparação ao povo negro e indígena que vive marginalizado nas periferias dos centros urbanos.
Nosso projeto é orientado pela justiça e pela solidariedade, não pelo lucro. Nele ninguém passará sede ou fome, e todos e todas terão acesso à água de qualidade, regular e suficiente bem como aos serviços públicos de saneamento.
Nosso plano de ações e lutas
A profundidade de nossas debates e elaborações coletivas, o sucesso da nossa mobilização, a diversidade do nosso povo e a amplitude dos desafios que precisam ser combatidos nos impulsionam a continuar o enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal, racista e colonial, tendo como referência a construção da aliança e da unidade entre toda a diversidade presente no FAMA 2018.
Trabalharemos, através de nossas formas de luta e organização para ampliar a força dos povos no combate à apropriação e destruição das águas. A intensificação e qualificação do trabalho de base junto ao povo, a ação e a formação política para construir uma concepção crítica da realidade serão nossos instrumentos. O povo deve assumir o comando da luta. Apostamos no protagonismo e na criação heroica dos povos.
Vamos praticar nosso apoio e solidariedade internacional a todos os processos de lutas dos povos em defesa da água denunciam a arquitetura da impunidade, que, por meio dos regimes de livre-comércio e investimentos, concede privilégios às corporações transnacionais e facilitam seus crimes corporativos.
Multiplicaremos as experiências compartilhadas no Tribunal Popular das Mulheres, para a promoção da justiça popular, visibilizando as denúncias dos crimes contra a nossa soberania, os corpos, os bens comuns e a vida das mulheres do campo, das florestas, águas e cidades.
A água é dom que a humanidade recebeu gratuitamente, é direito de todas as criaturas e bem comum. Por isso, nos comprometemos a unir mística e política, fé e profecia em suas práticas religiosas, lutando contra os projetos de privatização, mercantilização e contaminação das águas que ferem a sua dimensão sagrada.
O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) apoia, se solidariza e estimulará todos os processos de articulação e de lutas dos povos no Brasil e no mundo, tais como a construção do “Congresso do Povo”, do “Acampamento Terra Livre”, da “Assembleia Internacional dos Movimentos e Organizações dos Povos”, da “Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo”; da campanha internacional para desmantelar o poder corporativo e pelo “tratado vinculante” como ferramenta para exigir justiça, verdade e reparação frente aos crimes das transnacionais.
Convocamos todos os povos a lutar juntos para defender a água. A água não é mercadoria. A água é do povo e pelos povos deve ser controlada.
É tempo de esperança e de luta. Só a luta nos fará vencer. Triunfaremos!
Assinam o documento 36 organizações. As demais entidades do Brasil e do mundo que quiserem subscrever o documento, devem enviar solicitação, até o dia 12 de abril, à Secretaria Operativa do FAMA, pelos e-mails:operativafama@gmail.com/metodologiafama2018@gmail.com.

terça-feira, 6 de março de 2018

Dia Internacional da Mulher: a feminística de mulheres e homens pela Paz

Por Amyra El Khalili


A expressão "feminística" foi concebida em 8 de março de 2006, no Dia Internacional de Mulher. Foi numa mesa-redonda em torno de "Questão de Gênero",durante o I Fórum da Cidade de São Paulo - Objetivos do Milênio (ODM), realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Câmara Municipal da capital. A inspiração veio de uma questão que me incomoda: a cobrança diuturna para rotular as pessoas. Todos querem rótulo em tudo. Vivemos no mundo de clichês.
Não é à toa que, frequentemente, as (os) jornalistas perguntam: "o Movimento Mulheres pela P@Z! é feminista?" Digo não. Contestam perguntando: "Mas é um movimento que tem homem?" Digo sim. Aí, concluem: "Não é um movimento de mulheres pela paz, mas um movimento de mulheres e homens pela paz". Percebo que nem eles nem eu ficamos satisfeitos. Porém, um comentário da escritora Vilma Marchitiello sobre a mística feminina me ajudou a encontrar a definição: O Movimento Mulheres pela P@Z é feminística!
É um movimento feminístico, da mística feminina, essência que no homem também existe.
Este movimento de mulheres e homens nasceu em 8 de março de 2002, de uma atitude de mulheres palestinas, judias e brasileiras, depois de várias cisões em nossos grupos pacifistas israelo-palestinos. Nasceu no momento em que os homens tensionavam as discussões e não saíam da mesma retórica, o que, aliás, é comum na natureza masculina: não saber recuar, não saber flexibilizar, não saber feminizar. Quando aprendem, crescem muito como seres humanos!
Mulheres em Meio Ambiente
Tem sido muito mais fácil sensibilizar as mulheres em relação à preservação e conservação ambiental devido à sua própria condição biológica, como gestora da vida, portadora de útero. As mulheres devem assumir a sua condição de guardiãs das florestas, dos rios, da biodiversidade, de nosso ambiente, uma vez que, no dia a dia, com as tarefas domésticas, são as que mais sofrem com a falta de água, de energia, de alimentos.
A violência contra a mulher não se manifesta apenas na agressão corporal ou verbal, mas, igualmente, na pobreza, na falta de educação, de trabalho, na saúde, na falta de recursos básicos de sobrevivência. Uma pode culminar com a sua morte. A outra, subjetiva, indireta, subliminar, atinge a ética, a estética e a moral. É a mais perniciosa das agressões. Ela pode se dar de várias maneiras: agressão psicológica, assédio moral, assédio sexual, por intimidação, racismo, destruição da autoestima. É o que chamamos de PCC - Poder, Comando, Controle. O que mata e morre.
O poder da palavra
A palavra tem força. Podemos, por meio dela, desativar uma bomba no sistema financeiro ou uma ação racista. Podemos denunciar um site de pedofilia ou derrubar sites mentirosos, mascarados. Podemos desarmar um ataque à Amazônia ou uma farsa montada por estelionatários. Tudo pela internet, a distância, pois não podemos estar em todos os lugares simultaneamente. Outras pessoas, porém, à frente de outros computadores, precisam desse ECO para suportar a pressão da agressão dos confrontos e das guerras em suas regiões e territórios.
Não falo somente das que se veem, com mísseis, caças F16, bombas. Falo daquelas que não se veem, que podem ser tão ou mais perigosas que as que assumidas por governantes. A guerra que travamos diariamente contra a corrupção, contra a manipulação política, contra a degradação ambiental, contra a violência, contra as desigualdades.
No entanto nenhum movimento ou frente se consolida apenas com motes. Essa consolidação só se dá quando suas lideranças e membros assumem efetivamente a causa, carregam suas bandeiras, expõem-se publicamente com todos os riscos.
São especiais as pessoas realmente comprometidas com as causas socioambientais, dispostas a entregar a sua vida expondo-se, assim como com as questões de direitos humanos, direitos políticos, liberdade de expressão, democratização da informação, questões de gênero e etnia. Assumir uma causa, ou uma missão, é decisão exclusiva e intransferível de foro pessoal.
O que podemos fazer, quando identificamos tais formadoras (es) de opinião (stakeholders), é apoiá-las (os), dar-lhes estímulo e força para que persistam no seu trabalho e se estabeleçam.
Não estamos falando de dinheiro, mas de ação, apoio moral e psicológico. Um apoio que se dá sem interesses, maniqueísmos ou segundas intenções e, principalmente, sem imprimir-lhes rótulos. É aquele apoio que fortalece o ser humano para que consiga encontrar soluções sem destruir-se, degradar-se moralmente frente às pressões e humilhações a que são submetidas (os).
Mulheres e homens que lideram comunidades e diversas frentes proativas são, muitas vezes, pressionadas (os), intimidadas (os) e ameaçadas (os) por corruptos, por questões ideológicas, políticas, religiosas, etnicas. Quando é possível, viajamos até a região, conversamos com a comunidade, organizamos uma estratégia. Sabemos que essa pessoa permanecerá ali quando formos embora. Dá uma sensação estranha. De um lado, satisfação enorme pela chance de,  alguma forma, contribuir, apoiar, estimular. De outro, a impotência de querer fazer mais sem saber exatamente o quê e como.
É importante apoiar essas pessoas, pois são elas que carregam, provocam e impulsionam outras. Se elas fraquejam, enfraquecem alguns milhões de dependentes de suas ações, que também precisam de apoio e estímulo para seguirem adiante.
Então buscamos formas de "empoderar" essas pessoas para que possam seguir em frente. Esta é uma das premissas do movimento de mulheres e homens pela paz, principalmente se essa pessoa for uma mulher. São elas as mais discriminadas e excluídas no processo de empoderamento socioeconômico. Conquistaram o mercado de trabalho; são a maioria consumidora, mas não foram empoderadas, ou, mesmo, preparadas para ter poder.
Hoje, o mercado está com os olhos voltados para a mulher. Debatem-se as mulheres em todos os cantos, por todos os lados. Mas não se enganem! Em muitos casos, não é por consciência da importância da questão de gênero, ou por alguma percepção humanitária, mas porque descobriram que a mulher é “consumidora”.  Ela é quem toma as decisões de consumo para as outras pessoas da família.
Eventos conscientes são aqueles organizados por movimentos sérios e gente com histórico de defesa dessas justas causas. Não desejamos legitimar a questão de gênero na concepção de que a mulher não passaria de mais uma consumidora. O mundo já faz isso o tempo todo com as mulheres. O que queremos é que ela seja capaz de ser tomadora de decisões sobre os mais diversos assuntos. Seja ela produtora rural, artesã, empreendedora, executora, o que importa é que decida sobre o contrato mercantil, a cláusula contratual do seguro, sobre como é que vai pagar a prestação, como o banco vai debitar a taxa de juros. Decisão é a palavra-chefe. A mulher tem que decidir, não somente produzir-consumir.
É nossa prioridade trabalhar a autoestima feminina. Tanto a exterior quanto a interior, para que as mulheres possam ser "empoderadas". Seja para o trabalho, o empreendedorismo, a economia, o amor, a família: o empoderamento de mulheres é a meta.
Desejamos que esta semana, em comemoração ao “Dia Internacional da Mulher”, seja um momento de reflexão sobre a mística feminina de mulheres e homens, para que possam compartilhar essa virtude, fortalecendo-se mutuamente de igual para igual, um ao lado do outro!

"Todos os seres humanos estão presos numa teia inescapável de mutualidade; entrelaçados num único tecido do destino. O que quer que afete a um diretamente, afeta a todos indiretamente. Não posso nunca ser o que deveria ser até que você seja o que deveria ser e você não pode nunca ser o que deveria ser até que eu seja o que devo ser" (Martin Luther King).
Nota:
O "Movimento Mulheres pela P@Z!" é uma formação de rede, de caráter transdisciplinar, não sectário, que tem como objetivo promover a paz entre grupos étnicos, povos e nações, através do debate, da informação e de ações que propiciem a aproximação, a criação e o fortalecimento de relações inter-raciais e interculturais, orientando a não-intervenção, a não-ingerência e a não-dominação de uns sobre outros, fomentando a tolerância, a concórdia e a colaboração e o auxílio mútuo, de modo que a identidade e a liberdade sejam indissociáveis e utilizadas como instrumentos para a construção de um mundo que compreenda a existência de desígnios superiores e transcendentais para a Humanidade.
Referências:
EL KHALILI, Amyra. Palestra proferida no 1º Fórum da Cidade de São Paulo — "Objetivos do Milênio (ODM)", organizado pelo PNUD e pela Câmara Municipal São Paulo. Mesa-redonda: "Questão de Gênero”,  dia 8 de março de 2006.
JUSTE, Marília. ODM devem ser ‘feminizados’, diz jurista. – São Paulo, 8 mar. 2006. In: www.pnud.org.br;
*Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental. Foi economista com mais de duas décadas de experiência nos mercados futuros e de capitais. É fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! e editora da Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book “Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe”. Acesse gratuitamente: www.amyra.lachatre.org.br