Mais uma vez, com o tema da mercantilização da natureza e violações de direitos, um seminário realizado em Cruzeiro do Sul, parte ocidental do Estado do Acre, numa região conhecida como Vale do Juruá, entre os dias 05 a 07 de outubro deste ano de 2016, diversas representações de povos indígenas, pesquisadores, estudantes e lideranças comunitárias, além de representantes dos projetos de REDD dos seringais Valparaiso, Russas e Purus, debateram o tema e tomaram decisões sugerindo encaminhamentos.
As violações de direitos no Estado do Acre resultantes dos projetos ligados à Economia Verde já foram amplamente divulgadas nacional e internacionalmente. Desde 2010 a Lei 2.308 de 22 de outubro daquele ano, vem sendo alvo de constantes denúncias, seja por seu aspecto inconstitucional seja por ter sido aprovada de forma açodada e sem nenhuma participação dos interessados e muito menos daqueles que seriam, e foram, atingidos pela lei, conhecida como lei SISA (Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais).
Em 2012, durante a Rio +20, um grupo de pesquisadores e militantes das causas sociais denunciaram as violações e o que chamaram de farsa, através de uma publicação conhecida por Dossiê Acre: O Acre que os mercadores da Natureza Escondem.
Em 2014 a relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma DHESCA publicou o relatório ECONOMIA VERDE, POVOS DAS FLORESTAS E TERRITÓRIOS: violações de direitos no Estado do Acre onde fica demonstrado por meio de evidências incontestes que o modelo acreano baseado no que chamamos de Economia Verde, ou ainda Financeirização e mercantilização da natureza, representa graves violações de direitos na medida em que busca se apropriar dos territórios das comunidades tradicionais e povos indígenas principalmente.
Para seguir com este ataque aos direitos e aos territórios e ainda assim se apresentar para o mundo como um estado que "cuida" da natureza e quer ser exemplo de preservação e respeito aos povos tradicionais, além da legislação alterada segundo os interesses das empresas ligadas ao mercado de bens da natureza, o Estado construiu uma complexa rede de ONGs com financiamento exclusivo para propagandear nas comunidades os supostos benefícios que projetos ligados à economia Verde trariam, especialmente os projetos de REDD.
Por essa razão, ao final do seminário representantes dos povos indígenas ali presentes decidiram fazer uma representação junto ao Ministério Público Federal (MPF) contra uma ONG que atua junto aos povos indígenas no Estado. Segundo eles, muitos recursos são repassados a esta ONG e a mesma não faz os recursos chegarem nas comunidades e nem sequer presta qualquer tipo de esclarecimento. De outro lado, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) também foi duramente criticada por não acompanhar o processo e sofre acusação de fazer "vistas grossas" aos casos de abusos e desrespeito.
Também ficou definido que a justiça será acionada no sentido de que as ONGs, e governo esclareçam o destino dos recursos destinados às comunidades, independente de serem elas indígenas ou não.
Veja a íntegra do documento divulgado ao final do seminário:
CARTA ABERTA
Nós, povos indígenas
(Apolima-Arara; Arara; Apurinã; Arara do Bagé; Jaminawa-Arara; Kaxinawá;
Katukina; Nukini; Nawa; Shanenawa; Yawanawá) originários e comunidades tradicionais
(posseiros e extrativistas), mulheres e homens, pessoas preocupadas com o bem
comum e cientes de nossas responsabilidades (CIMI; Diocese de Cruzeiro do Sul;
CPT; Pastoral da Criança; Cáritas Diocesana; Pastoral Catequética; COMIDI,
Professores Universitários e Assessoria Jurídica da Diocese), reunimo-nos nos
dias de 05 a 07 de outubro de 2016, em um seminário com o tema: Mercantilização
da natureza, ameaças ao usufruto do território e direitos humanos, decidimos nos manifestar por este
instrumento, carta pública, sobre os problemas que nos afligem bem como cobrar
das autoridades respostas para estes problemas e politicas públicas adequadas
às nossas realidades.
Não aceitamos mais que os
projetos nos sejam impostos ou que sejam apresentados por aqueles que se dizem
nossos representantes quando não o são sendo eles pertencentes a organizações
governamentais ou não governamentais, ou ainda individualmente. Dentre estes
projetos destacamos os projetos de REDD, manejo florestal, extração de petróleo
e gás, especialmente por meio da tecnologia do fracking, bem como projetos supostamente
de infraestrutura como a construção de estradas e ferrovias sem a consulta
prévia, livre e informada das comunidades.
Repudiamos a falta de
respeito e a ideia de redução de nossos direitos enquanto forma de
sobrevivência bem como o ataque às nossas culturas e costumes por meio da
criminalização, por exemplo, formas de lidarmos com o ambiente, roçados, caça
pesca, etc. Temos sido violentamente atacados, criminalizados e punidos,
pesando sobre nós multas impagáveis e injustas em sua origem por incidirem
sobre nossa única forma de sobrevivência. Mais grave ainda é que o Estado tem
se prestado a nos punir em nome de interesses privados.
Assumimos, como sempre
fizemos, nossas responsabilidades, mas, afirmamos que os ataques à natureza, à
nossa casa comum, partem principalmente das grandes indústrias e setores
centrais do capitalismo e do desenvolvimentismo, baseados no consumo
desenfreado e na concentração do lucro e distribuição da miséria. Projetos
tidos como sustentáveis são na verdade uma farsa e falsas soluções que punem e
criminalizam as comunidades enquanto transferem o usufruto das riquezas
naturais para empresas privadas e até mesmo internacionais.
Exigimos que seja feita
uma profunda investigação sobre os recursos destinados às comunidades sem que
estas tenham sequer o conhecimento e muito menos acesso a estes recursos. Neste
sentido decidimos acionar o Ministério Público para que proceda em nosso favor
e tome as medidas necessárias.
Cruzeiro do Sul, 07 de
outubro de 2016.