domingo, 22 de janeiro de 2023

Povo Apolima-Arara cria o primeiro Conselho Indígena do Acre

 

Foto Lindomar Padilha
Reunidos em assembleia nos dias 15  e 16 de janeiro deste ano de 2023, representantes e delegados do povo Apolima-Arara criaram o Conselho Indígena Apolima-Arara. A proposta do Conselho é de inaugurar uma nova fase na organização do povo para evitar que uma ou outra liderança fale indevidamente em nome do povo e para que haja maior discussão interna tornando as decisões mais coletivas e mais democráticas. O conselho, em linhas gerais ficou assim:
 
 A instância soberana em decisões do povo Apolima-Arara é a assembleia geral. A assembleia geral ocorrerá a cada ano devendo sua organização e condução estar sob a coordenação do conselho. O conselho será formado pelos caciques representantes de cada comunidade, um ancião ou anciã acima de 60 anos de cada comunidade e o cacique geral. Todos os caciques terão um vice cacique incluindo o vice cacique geral. O cacique geral será também o presidente do conselho. O cacique geral será eleito pela maioria em assembleia geral. O mandato dos conselheiros terá o prazo indeterminado dependendo da forma tradicional utilizada sobre a escolha dos caciques. O conselho representará politicamente o povo Apolima-Arara. Foram eleitos Francisco Siqueira como cacique geral e Melissa da Silva Chama como vice.
 
O Conselho tem papel fundamental na análise de propostas de projetos para o povo, ainda mais nesses tempos em que o povo tem sido assediado para aceitar recursos oriundos de SbN. REDD, REM... Por causa desse assédio, o povo tem sido dividido propositalmente. Aliás, o conselho, além de analisar os projetos, terá papel preponderante na exigência de cumprimento do que preconiza a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no que diz respeito à consulta livre, prévia e informada. Agora qualquer projeto deverá passar pelo conselho e seus proponentes deverão realizar a consulta prévia e, caso isso não ocorra, o conselho poderá acionar o Ministério Público Federal para exigir esclarecimentos, de acordo com o artigo 232 da Constituição Federal..

Parabéns ao povo Apolima-Arara pela criação do Conselho Indígena que, a meu juízo, será um modelo para todas os demais povos como mecanismo de organização e proteção dos direitos.
 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

2023: ano do retorno. Seguir lutando é preciso!

 Amigas e amigos, desde o ano passado suspendi temporariamente minhas costumeiras publicações neste blog por uma simples razão: o país estava (penso que ainda está) ignorantemente mergulhado em fanatismos que segavam as pessoas e lhes roubavam o pouco de racionalidade e inteligência que ainda lhes restavam. Perdi supostos amigos e ganhei uma expressiva coleção de inimigos que não me pouparam em nada. Então, ponderando sobre a lei que me orienta: "amai-vos uns aos outros", decidi suspender minhas publicações sem contudo recuar em minhas convicções.

Agora volto a publicar e já começo com o "ponto de vista" do WRM em seu Boletím WRM 261 16 Junho 2022, que resume muito bem os conteúdos sobre os quais deixei de publicar no ano passado, mas que agora os retomarei com toda ênfase necessária. Agradeço aos amigos e amigas que permaneceram fiéis, não a mim, mas às causas justas como: Não a mercantilização e financeirização da natureza; não às falsas soluções como PSA, REDD +, SbN; Defesa da causa indígena (e dos povos mais vulneráveis), Defesa do povo Palestino, especialmente em favor das mulheres palestinas; Defesa da natureza de acordo com uma ecologia integral. 

Vamos então ao ponto:

São as interconexões e dependências entre colonialismo, racismo, patriarcado e exploração de classe que criam as condições para a crise climática. Portanto, enfrentar o caos climático é enfrentar as relações de poder desiguais em que se baseia o capitalismo, com sua dependência dos combustíveis fósseis.

Portel, Pará, Brasil. Foto: WRM

É inegável que os combustíveis fósseis são a causa fundamental do caos climático. A base de poder da maioria das empresas de combustíveis fósseis surgiu em países europeus e em colônias europeias, e essas potências coloniais ainda estão impulsionando a crise. A colonização da terra, do trabalho e das culturas permitiu que prosperasse a economia capitalista, dependente de combustíveis fósseis. A crise climática evidencia, assim, as teias de poder e opressão que vêm sendo tecidas desde a colonização, pois a dependência em relação aos combustíveis fósseis se baseia nas interconexões e dependências entre colonialismo, racismo, patriarcado e exploração de classe.
 
O relatório recente do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC) finalmente destaca o que os movimentos populares vêm pedindo há décadas: o fim dos combustíveis fósseis. No entanto, as maiores empresas de petróleo e gás do mundo projetam gastar mais de 930 bilhões de dólares em novos empreendimentos direcionados a esses combustíveis, apesar de dizerem estar alinhadas com suas “metas climáticas”. Isso inclui empresas como Shell (Holanda/Reino Unido), Chevron (EUA), Eni (Itália), TotalEnergies (França) e ExxonMobil (EUA), estatais como a russa Gazprom, Saudi Aramco, PetroChina, e a norueguesa Equinor. (1)
 
E o que é pior, as negociações e políticas climáticas da ONU, como “soluções baseadas na natureza” ou REDD+, estão permitindo que governos e empresas (e ONGs conservacionistas) do Norte global conquistem e controlem mais territórios e florestas de comunidades no Sul global. (2) A chamada transição a uma economia “renovável” ou “verde” se baseia nas mesmas teias de poder e opressões da economia capitalista.
 
Neste contexto, um artigo do Boletim alerta para os graves impactos que a continuidade da construção de grandes hidrelétricas ao longo do rio Mekong está causando nas comunidades e nas teias de vida que esse rio sustenta. Outro artigo, do Brasil, expõe a forma como os planos de expansão das plantações industriais de dendezeiros na Amazônia, em particular pela empresa Brazil Bio Fuels (BBF), representam uma ameaça perigosa a florestas, povos indígenas e comunidades camponesas. Da mesma forma, um artigo vindo do Equador revela não apenas os impactos, mas também as resistências das comunidades impactadas pelo legado de violência e injustiça das empresas plantadoras de dendezeiros.
 
As empresas de plantações de árvores, no entanto, estão tentando fazer as pessoas acreditarem que são as salvadoras da crise climática. A Declaração do 15º Congresso Florestal Mundial, que ocorreu em maio de 2022 e reuniu a maior parte das indústrias de plantação de árvores e celulose, afirmou que elas “oferecem importantes soluções baseadas na natureza para mudanças climáticas, perda de biodiversidade, degradação do solo, fome e pobreza”. (3) Essas falsas “soluções”, no entanto, têm como fundamento a expansão do mesmo modelo opressor e destrutivo, e estão principalmente focadas em como manter os lucros das empresas.
 
Outro artigo deste boletim expõe a forma como as empresas de plantações de árvores APP e APRIL, na Indonésia, baseiam-se em um modelo de violência, poluição e desapropriação, e continuam operando por meio dele, apesar de seus compromissos supostamente “verdes” e suas metas climáticas. Da mesma forma, outro artigo do Brasil expõe os graves impactos e conflitos que a multinacional de papel e celulose Suzano representa para as comunidades e seus territórios.
 
As corporações e seus aliados financeiros também estão usando o cercamento de mais florestas na forma de Áreas Protegidas para afirmar ter compensado a poluição que geram em outros lugares. Elas têm apoio de muitas ONGs conservacionistas internacionais e da ONU, e essas Áreas Protegidas também costumam ser chamadas de “soluções baseadas na natureza”.
 
Da Índia, outro artigo alerta sobre como a expansão de Áreas Protegidas em nome da “conservação” é, na verdade, uma violação contundente dos direitos dos Povos Indígenas e das comunidades florestais. Ao mesmo tempo, o artigo expõe as estreitas ligações entre a expansão dessas Unidades de Conservação e da mineração e o desmatamento em grande escala.
 
Grandes concessões – para combustíveis fósseis, para uma indústria dependente dos combustíveis fósseis, para empresas de plantações, para megabarragens ou para projetos que alegam estar compensando a poluição dos combustíveis fósseis – destroem comunidades, florestas, mananciais e todas as interconexões de vida, conhecimento e histórias de lugares específicos. A violência nos territórios é especialmente intensa para mulheres e meninas, que são abusadas, estupradas e perseguidas dentro dos territórios invadidos.
 
Conectar as raízes da crise climática às injustiças e opressões históricas não é apenas um ato de reconhecimento, mas também uma forma de visibilizar que elas ainda estão presentes hoje e, em alguns casos, foram até aprofundadas. Enfrentar o caos climático é abordar as relações desiguais de poder nas quais se baseia o capitalismo, com sua dependência de combustíveis fósseis.
 
Em entrevista incluída neste boletim, Miriam Samudio, uma das fundadoras de uma cooperativa agroecológica de Misiones, na Argentina, que reclamou terras da multinacional Arauco, afirma:

“Eu entendo também que as mulheres, apesar de todos os inconvenientes que temos no dia a dia, também são capazes de sonhar, de acreditar que o que parecia tão impossível poderia ser possível se todos nos organizássemos e lutássemos juntos.”
 

(1) Global witness, IPCC clarion call puts spotlight on fossil fuel industry’s hypocrisy, 2022,
(2) Veja, por exemplo, WRM, 15 anos de REDD: Um esquema corrompido em sua essência, 2022Soluções baseadas na natureza: ocultando um grande roubo de terras, 2021,
(3) FAO, 15th World Forestry Congress, The Seoul Forest Declaration, Maio de 2022.
(4) WRM, Press release: Stop the Racist Conservation Model!, May 2022,