Amigas e amigos, desde o ano passado suspendi temporariamente minhas costumeiras publicações neste blog por uma simples razão: o país estava (penso que ainda está) ignorantemente mergulhado em fanatismos que segavam as pessoas e lhes roubavam o pouco de racionalidade e inteligência que ainda lhes restavam. Perdi supostos amigos e ganhei uma expressiva coleção de inimigos que não me pouparam em nada. Então, ponderando sobre a lei que me orienta: "amai-vos uns aos outros", decidi suspender minhas publicações sem contudo recuar em minhas convicções.
Agora volto a publicar e já começo com o "ponto de vista" do WRM em seu Boletím WRM 261 16 Junho 2022, que resume muito bem os conteúdos sobre os quais deixei de publicar no ano passado, mas que agora os retomarei com toda ênfase necessária. Agradeço aos amigos e amigas que permaneceram fiéis, não a mim, mas às causas justas como: Não a mercantilização e financeirização da natureza; não às falsas soluções como PSA, REDD +, SbN; Defesa da causa indígena (e dos povos mais vulneráveis), Defesa do povo Palestino, especialmente em favor das mulheres palestinas; Defesa da natureza de acordo com uma ecologia integral.
Vamos então ao ponto:
São as interconexões e dependências entre colonialismo, racismo, patriarcado e exploração de classe que criam as condições para a crise climática. Portanto, enfrentar o caos climático é enfrentar as relações de poder desiguais em que se baseia o capitalismo, com sua dependência dos combustíveis fósseis.
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Portel, Pará, Brasil. Foto: WRM |
É inegável que os combustíveis fósseis são a causa fundamental do caos climático. A base de poder da maioria das empresas de combustíveis fósseis surgiu em países europeus e em colônias europeias, e essas potências coloniais ainda estão impulsionando a crise. A colonização da terra, do trabalho e das culturas permitiu que prosperasse a economia capitalista, dependente de combustíveis fósseis. A crise climática evidencia, assim, as teias de poder e opressão que vêm sendo tecidas desde a colonização, pois a dependência em relação aos combustíveis fósseis se baseia nas interconexões e dependências entre colonialismo, racismo, patriarcado e exploração de classe.
O relatório recente do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC) finalmente destaca o que os movimentos populares vêm pedindo há décadas: o fim dos combustíveis fósseis. No entanto, as maiores empresas de petróleo e gás do mundo projetam gastar mais de 930 bilhões de dólares em novos empreendimentos direcionados a esses combustíveis, apesar de dizerem estar alinhadas com suas “metas climáticas”. Isso inclui empresas como Shell (Holanda/Reino Unido), Chevron (EUA), Eni (Itália), TotalEnergies (França) e ExxonMobil (EUA), estatais como a russa Gazprom, Saudi Aramco, PetroChina, e a norueguesa Equinor. (1)
E o que é pior, as negociações e políticas climáticas da ONU, como “soluções baseadas na natureza” ou REDD+, estão permitindo que governos e empresas (e ONGs conservacionistas) do Norte global conquistem e controlem mais territórios e florestas de comunidades no Sul global. (2) A chamada transição a uma economia “renovável” ou “verde” se baseia nas mesmas teias de poder e opressões da economia capitalista.
Neste contexto, um artigo do Boletim alerta para os graves impactos que a continuidade da construção de grandes hidrelétricas ao longo do rio Mekong está causando nas comunidades e nas teias de vida que esse rio sustenta. Outro artigo, do Brasil, expõe a forma como os planos de expansão das plantações industriais de dendezeiros na Amazônia, em particular pela empresa Brazil Bio Fuels (BBF), representam uma ameaça perigosa a florestas, povos indígenas e comunidades camponesas. Da mesma forma, um artigo vindo do Equador revela não apenas os impactos, mas também as resistências das comunidades impactadas pelo legado de violência e injustiça das empresas plantadoras de dendezeiros.
As empresas de plantações de árvores, no entanto, estão tentando fazer as pessoas acreditarem que são as salvadoras da crise climática. A Declaração do 15º Congresso Florestal Mundial, que ocorreu em maio de 2022 e reuniu a maior parte das indústrias de plantação de árvores e celulose, afirmou que elas “oferecem importantes soluções baseadas na natureza para mudanças climáticas, perda de biodiversidade, degradação do solo, fome e pobreza”. (3) Essas falsas “soluções”, no entanto, têm como fundamento a expansão do mesmo modelo opressor e destrutivo, e estão principalmente focadas em como manter os lucros das empresas.
Outro artigo deste boletim expõe a forma como as empresas de plantações de árvores APP e APRIL, na Indonésia, baseiam-se em um modelo de violência, poluição e desapropriação, e continuam operando por meio dele, apesar de seus compromissos supostamente “verdes” e suas metas climáticas. Da mesma forma, outro artigo do Brasil expõe os graves impactos e conflitos que a multinacional de papel e celulose Suzano representa para as comunidades e seus territórios.
As corporações e seus aliados financeiros também estão usando o cercamento de mais florestas na forma de Áreas Protegidas para afirmar ter compensado a poluição que geram em outros lugares. Elas têm apoio de muitas ONGs conservacionistas internacionais e da ONU, e essas Áreas Protegidas também costumam ser chamadas de “soluções baseadas na natureza”.
Da Índia, outro artigo alerta sobre como a expansão de Áreas Protegidas em nome da “conservação” é, na verdade, uma violação contundente dos direitos dos Povos Indígenas e das comunidades florestais. Ao mesmo tempo, o artigo expõe as estreitas ligações entre a expansão dessas Unidades de Conservação e da mineração e o desmatamento em grande escala.
Grandes concessões – para combustíveis fósseis, para uma indústria dependente dos combustíveis fósseis, para empresas de plantações, para megabarragens ou para projetos que alegam estar compensando a poluição dos combustíveis fósseis – destroem comunidades, florestas, mananciais e todas as interconexões de vida, conhecimento e histórias de lugares específicos. A violência nos territórios é especialmente intensa para mulheres e meninas, que são abusadas, estupradas e perseguidas dentro dos territórios invadidos.
Conectar as raízes da crise climática às injustiças e opressões históricas não é apenas um ato de reconhecimento, mas também uma forma de visibilizar que elas ainda estão presentes hoje e, em alguns casos, foram até aprofundadas. Enfrentar o caos climático é abordar as relações desiguais de poder nas quais se baseia o capitalismo, com sua dependência de combustíveis fósseis.
Em entrevista incluída neste boletim, Miriam Samudio, uma das fundadoras de uma cooperativa agroecológica de Misiones, na Argentina, que reclamou terras da multinacional Arauco, afirma:
“Eu entendo também que as mulheres, apesar de todos os inconvenientes que temos no dia a dia, também são capazes de sonhar, de acreditar que o que parecia tão impossível poderia ser possível se todos nos organizássemos e lutássemos juntos.”
(1) Global witness, IPCC clarion call puts spotlight on fossil fuel industry’s hypocrisy, 2022,
(2) Veja, por exemplo, WRM, 15 anos de REDD: Um esquema corrompido em sua essência, 2022, Soluções baseadas na natureza: ocultando um grande roubo de terras, 2021,
(3) FAO, 15th World Forestry Congress, The Seoul Forest Declaration, Maio de 2022.
(4) WRM, Press release: Stop the Racist Conservation Model!, May 2022,