Transcrito do Boletim do WRM (Leia aqui)
Muitas análises já foram feitas sobre o Acordo de Paris e sobre as razões pelas quais ele é um desastre para o clima. Uma das críticas tem sido de que o Acordo não faz referência ao tema fundamental dos direitos humanos. No entanto, é bom ressaltar que, para além do texto em si, o Acordo garante e fortalece direitos, sim, a saber, os das corporações transnacionais e instituições financeiras, que conseguiram garantir seus direitos no Acordo e também através de eventos paralelos. Durante esses eventos, anunciaram planos e financiamentos de falsas soluções para a crise do clima. Objetivo: transformar problemas em oportunidades para o setor privado, como é o caso do mecanismo de REDD+ e novos “ambiciosos” planos de “reflorestamento”, anunciados antes e durante a Conferência em Paris.
Para garantir seus interesses, as grandes corporações e instituições financeiras costumam contar com os governos como verdadeiros defensores de seus direitos. Nada diferente do que ocorre, e de forma bem explícita, nas negociações internacionais de acordos de livre comércio. As grandes empresas de petróleo, por exemplo, devem ter saído contentes de Paris, porque conseguiram, com o Acordo, afirmar seu direito de continuar contribuindo para a crise climática por mais tempo e de forma impune. Ao não citar sequer uma vez as palavras “combustíveis fósseis”, os governos garantiram a essas empresas e seus acionistas o direito de extrair e lucrar com petróleo, gás e carvão mineral por mais tempo.
Não incorporar de forma vinculante no Acordo de Paris a contribuição e a responsabilidade históricas diferenciadas dos países industrializados que mais têm emitido dióxido de carbono (CO2) é outro elemento que, de forma implícita, reconhece os direitos desses países (de contaminação e exploração de combustíveis fósseis). Mas, sobretudo, reconhece os direitos das grandes empresas de continuar promovendo um modelo de produção e consumo destrutivo com o qual lucram, enquanto os impactos negativos recaem sobre milhões de pessoas, sobretudo nos países do Sul global.
Mas a atuação das grandes corporações e também das instituições financeiras não se resume a exercer influência sobre a conferência oficial e o Acordo. O mecanismo de REDD+, por exemplo, apesar de ser mencionado algumas vezes no texto do Acordo oficial, ganhou mais destaque em eventos e anúncios paralelos patrocinados por governos do Norte. O interesse desses governos é “compensar” suas emissões, enquanto aos governos do Sul interessa o financiamento oferecido. Durante os primeiros dias da Conferência, os governos de Alemanha, Noruega e Reino Unido, e também o Banco Mundial, anunciaram financiamentos que, juntos, somam vários bilhões de dólares para investir ainda mais dinheiro nessa falsa solução para a crise do clima. Além disso, o Brasil e a União Europeia, em conjunto, introduziram no atual Acordo de Paris as linhas gerais de como poderia funcionar um futuro mercado de créditos de carbono de projetos de REDD+. (1)
Em um evento paralelo chamado de “Fórum Global de Paisagem” [“Global Landscape Forum”], organizado pelo instituto internacional de pesquisa florestal CIFOR, foi lançado o chamado “AFR100”, um plano para “recuperar” 100 milhões de hectares de florestas chamadas de “degradadas” ou áreas totalmente desmatadas na África, prometendo gerar emprego e melhorar o bem-estar da população (2). Dez países do continente já se comprometeram a “recuperar” mais de 30 milhões de hectares de terras, sendo que o Banco Mundial financiaria US$ 1 bilhão e outros US$ 540 milhões viriam de investidores especializados em negócios “verdes” de países da América do Norte e da Europa.
Sem dúvida, é importante reflorestar áreas atingidas por atividades destrutivas, mas é fundamental discutir como e em benefício de quem isso será feito. Há sérias dúvidas sobre a sinceridade de instituições financeiras como o Banco Mundial e também de fundos de investimentos “verdes”, de olho nas oportunidades do “capitalismo verde” cuja lógica é pôr o lucro acima do bem-estar de comunidades locais.
O Banco Mundial tem no seu currículo a corresponsabilidade pelo fracassado Plano de Ação para as Florestas Tropicais [Tropical Forestry Action Plan] (TFAP), lançado nos anos 1980, e que também era voltado ao “reflorestamento”. O TFAP gerou revolta em comunidades de países como a Índia, onde promoveu, sob o lema de “reflorestamento”, plantações de monoculturas de árvores em beneficio do setor privado, destruindo ainda mais as florestas. Na atualidade, o Banco Mundial continua sendo um dos principais promotores da expansão das monoculturas de árvores para produção de celulose e outros fins, através do seu braço privado, a Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), ao mesmo tempo em que é um dos principais promotores do REDD+. Por exemplo, em Moçambique, a IFC financia a empresa portuguesa Portucel, que está tomando terras agricultáveis de comunidades camponesas para plantar árvores de eucalipto, atentando contra a soberania alimentar das populações.
O envolvimento de investidores “verdes” no Plano “AFR100” também gera sérias dúvidas, pois esses investidores já são bem ativos na África, em atividades chamadas de “reflorestamento”, mas que também promovem plantações de monocultivos de árvores, apenas de olho em negócios como comércio de créditos de carbono e madeira. Uma das principais empresas que investe em plantações para créditos de carbono é a Norueguesa Green Resources, que já foi denunciada em Uganda por ter destruído os meios de sobrevivência das comunidades locais com seus “reflorestamentos” para carbono. (3)
O Plano AFR100 na África se assemelha a outro, lançado em julho de 2015 pela Presidenta Dilma Rousseff, do Brasil, um dos principais países do mundo em termos de florestas tropicais. Em visita oficial aos EUA, ela anunciou a “recuperação” de nada menos do que 12 milhões de hectares de florestas. Aqui também cabe desconfiança, uma vez que se trata de um país com a maior superfície de plantações de monocultura de eucalipto nos países do Sul global para produção de celulose de exportação, com participação de corporações transnacionais, como a sueco-finlandesa Stora Enso, e, cada vez mais, fundos de investimento que se tornam donos das terras. Essas plantações são erroneamente chamadas de “florestas plantadas” pelo governo, sendo, portanto, elegíveis dentro de seu plano de “reflorestamento”. O setor de plantações de monoculturas de árvores é um setor estratégico para o país, e o governo busca de forma incessante promover sua expansão, inclusive com árvores geneticamente manipuladas.
Nos artigos deste boletim, abordamos a forma como as políticas que surgem das negociações sobre o clima implicam, na verdade, violações de direitos. Um dos artigos trata da relação entre REDD+ e direitos, focando na fragilidade da aplicação, na prática, do princípio do Consentimento Prévio, Livre e Informado na República Democrática de Congo. Outro artigo, com um viés de direitos humanos, vem da Tailândia e aborda o tema das lutas populares contra as hidrelétricas e seus graves impactos e lutas, deixando evidente também a falácia da ideia de promovê-las como uma suposta fonte de energia limpa. Por fim, há artigos sobre lutas de dois povos indígenas: do povo Bribri, na Costa Rica, contra um projeto de REDD+ no seu território, e do povo Pataxó, contra as plantações de eucaliptos da Stora Ensa e da Fibria, em seu território. A Rede Ambiental Indígena (IEN) relata os efeitos das atividades extrativas sobre os povos indígenas no Norte, realizadas por empresa que compram créditos de carbono de projetos no Sul.
Boa Leitura!
Para garantir seus interesses, as grandes corporações e instituições financeiras costumam contar com os governos como verdadeiros defensores de seus direitos. Nada diferente do que ocorre, e de forma bem explícita, nas negociações internacionais de acordos de livre comércio. As grandes empresas de petróleo, por exemplo, devem ter saído contentes de Paris, porque conseguiram, com o Acordo, afirmar seu direito de continuar contribuindo para a crise climática por mais tempo e de forma impune. Ao não citar sequer uma vez as palavras “combustíveis fósseis”, os governos garantiram a essas empresas e seus acionistas o direito de extrair e lucrar com petróleo, gás e carvão mineral por mais tempo.
Não incorporar de forma vinculante no Acordo de Paris a contribuição e a responsabilidade históricas diferenciadas dos países industrializados que mais têm emitido dióxido de carbono (CO2) é outro elemento que, de forma implícita, reconhece os direitos desses países (de contaminação e exploração de combustíveis fósseis). Mas, sobretudo, reconhece os direitos das grandes empresas de continuar promovendo um modelo de produção e consumo destrutivo com o qual lucram, enquanto os impactos negativos recaem sobre milhões de pessoas, sobretudo nos países do Sul global.
Mas a atuação das grandes corporações e também das instituições financeiras não se resume a exercer influência sobre a conferência oficial e o Acordo. O mecanismo de REDD+, por exemplo, apesar de ser mencionado algumas vezes no texto do Acordo oficial, ganhou mais destaque em eventos e anúncios paralelos patrocinados por governos do Norte. O interesse desses governos é “compensar” suas emissões, enquanto aos governos do Sul interessa o financiamento oferecido. Durante os primeiros dias da Conferência, os governos de Alemanha, Noruega e Reino Unido, e também o Banco Mundial, anunciaram financiamentos que, juntos, somam vários bilhões de dólares para investir ainda mais dinheiro nessa falsa solução para a crise do clima. Além disso, o Brasil e a União Europeia, em conjunto, introduziram no atual Acordo de Paris as linhas gerais de como poderia funcionar um futuro mercado de créditos de carbono de projetos de REDD+. (1)
Em um evento paralelo chamado de “Fórum Global de Paisagem” [“Global Landscape Forum”], organizado pelo instituto internacional de pesquisa florestal CIFOR, foi lançado o chamado “AFR100”, um plano para “recuperar” 100 milhões de hectares de florestas chamadas de “degradadas” ou áreas totalmente desmatadas na África, prometendo gerar emprego e melhorar o bem-estar da população (2). Dez países do continente já se comprometeram a “recuperar” mais de 30 milhões de hectares de terras, sendo que o Banco Mundial financiaria US$ 1 bilhão e outros US$ 540 milhões viriam de investidores especializados em negócios “verdes” de países da América do Norte e da Europa.
Sem dúvida, é importante reflorestar áreas atingidas por atividades destrutivas, mas é fundamental discutir como e em benefício de quem isso será feito. Há sérias dúvidas sobre a sinceridade de instituições financeiras como o Banco Mundial e também de fundos de investimentos “verdes”, de olho nas oportunidades do “capitalismo verde” cuja lógica é pôr o lucro acima do bem-estar de comunidades locais.
O Banco Mundial tem no seu currículo a corresponsabilidade pelo fracassado Plano de Ação para as Florestas Tropicais [Tropical Forestry Action Plan] (TFAP), lançado nos anos 1980, e que também era voltado ao “reflorestamento”. O TFAP gerou revolta em comunidades de países como a Índia, onde promoveu, sob o lema de “reflorestamento”, plantações de monoculturas de árvores em beneficio do setor privado, destruindo ainda mais as florestas. Na atualidade, o Banco Mundial continua sendo um dos principais promotores da expansão das monoculturas de árvores para produção de celulose e outros fins, através do seu braço privado, a Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), ao mesmo tempo em que é um dos principais promotores do REDD+. Por exemplo, em Moçambique, a IFC financia a empresa portuguesa Portucel, que está tomando terras agricultáveis de comunidades camponesas para plantar árvores de eucalipto, atentando contra a soberania alimentar das populações.
O envolvimento de investidores “verdes” no Plano “AFR100” também gera sérias dúvidas, pois esses investidores já são bem ativos na África, em atividades chamadas de “reflorestamento”, mas que também promovem plantações de monocultivos de árvores, apenas de olho em negócios como comércio de créditos de carbono e madeira. Uma das principais empresas que investe em plantações para créditos de carbono é a Norueguesa Green Resources, que já foi denunciada em Uganda por ter destruído os meios de sobrevivência das comunidades locais com seus “reflorestamentos” para carbono. (3)
O Plano AFR100 na África se assemelha a outro, lançado em julho de 2015 pela Presidenta Dilma Rousseff, do Brasil, um dos principais países do mundo em termos de florestas tropicais. Em visita oficial aos EUA, ela anunciou a “recuperação” de nada menos do que 12 milhões de hectares de florestas. Aqui também cabe desconfiança, uma vez que se trata de um país com a maior superfície de plantações de monocultura de eucalipto nos países do Sul global para produção de celulose de exportação, com participação de corporações transnacionais, como a sueco-finlandesa Stora Enso, e, cada vez mais, fundos de investimento que se tornam donos das terras. Essas plantações são erroneamente chamadas de “florestas plantadas” pelo governo, sendo, portanto, elegíveis dentro de seu plano de “reflorestamento”. O setor de plantações de monoculturas de árvores é um setor estratégico para o país, e o governo busca de forma incessante promover sua expansão, inclusive com árvores geneticamente manipuladas.
Nos artigos deste boletim, abordamos a forma como as políticas que surgem das negociações sobre o clima implicam, na verdade, violações de direitos. Um dos artigos trata da relação entre REDD+ e direitos, focando na fragilidade da aplicação, na prática, do princípio do Consentimento Prévio, Livre e Informado na República Democrática de Congo. Outro artigo, com um viés de direitos humanos, vem da Tailândia e aborda o tema das lutas populares contra as hidrelétricas e seus graves impactos e lutas, deixando evidente também a falácia da ideia de promovê-las como uma suposta fonte de energia limpa. Por fim, há artigos sobre lutas de dois povos indígenas: do povo Bribri, na Costa Rica, contra um projeto de REDD+ no seu território, e do povo Pataxó, contra as plantações de eucaliptos da Stora Ensa e da Fibria, em seu território. A Rede Ambiental Indígena (IEN) relata os efeitos das atividades extrativas sobre os povos indígenas no Norte, realizadas por empresa que compram créditos de carbono de projetos no Sul.
Boa Leitura!